9 de jun. de 2016

Desembargadora é processada por persuadir criança a ficar com mãe





Um das grandes evoluções do Direito de Família foi, em processos de disputa pela guarda de filhos, passar a se preocupar com o bem estar da criança em vez de com o direito dos pais. Assim, a disputa dos adultos passou a ser analisada quanto ao exercício das funções parentais. No entanto, chegou ao Conselho Nacional de Justiça o caso de uma desembargadora do Rio de Janeiro que parece seguir o caminho inverso.

Uma oitiva informal de um menino rendeu dois procedimentos disciplinares e um pedido de suspeição contra a desembargadora Lúcia Maria Miguel da Silva Lima, da 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça. Ela é acusada de pressionar um menino, que diz ser maltratado pelo padrasto, a voltar a conviver com a mãe — que, ainda segundo a criança, acobertava os maus-tratos.Oitiva foi gravada em vídeo pelo garoto cuja guarda era disputada.

A oitiva aconteceu em setembro do ano passado, no gabinete da desembargadora e foi gravada em vídeo pelo próprio garoto, então com 11 anos. A ConJur teve acesso às filmagens com exclusividade.

Os diálogos impressionam. Por exemplo, ao ouvir o relato sobre os maus-tratos sofridos e pelos quais o jovem diz não querer visitar a mãe nem a cada 15 dias, a desembargadora responde que ele “não tem querer” e ameaça, dizendo que a negativa vai gerar consequências ruins para o pai.

O encontro não contou com a participação dos advogados dos pais, de membro do Ministério Público, nem de profissional da equipe multidisciplinar do tribunal, que normalmente acompanham esses casos. Estavam presentes apenas a criança, a desembargadora e uma assessora dela.

O processo teve início depois que o menino, então sob a guarda da mãe, decidiu morar com o pai. Ela fica no Rio de Janeiro, e ele, em São Paulo. A mãe concordou que o jovem ficasse com o pai, mas se arrependeu. Por isso, entrou na Justiça para pedir o retorno dele no início deste ano.

A desembargadora pediu para ouvir o menino. O procedimento tem previsão no parágrafo 3º do artigo 161 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Segundo o dispositivo, nos pedidos de modificação de guarda, “será obrigatória, desde que possível e razoável, a oitiva da criança ou adolescente, respeitado seu estágio de desenvolvimento e grau de compreensão sobre as implicações da medida”.

Leia os trechos do diálogo:

Menino — Eu não quero vir.

Desembargadora — Pois é, mas acontece o seguinte: você não tem querer.

Menino — Como assim?

Desembargadora — É. Quem tem querer é a sua mãe, que não pode ficar sem ver você. Você não tem saudade dela?

Menino — Eu gostaria muito que ela fosse para São Paulo. Paciência, eu não vou vir pro Rio.

Desembargadora — Não vai vir? Seu pai vai levar uma multa terrível. Duvido que ele não te traga.


Em outro trecho, a assistente da desembargadora questiona o menor se ele aceitaria visitar a mãe se ela se separasse do padrasto. A desembargadora, antes mesmo da resposta, afirma que ele não mudaria de ideia, porque é vítima de alienação parental.

Por Giselle Souza
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