Pesquisa feita pelo Centro de Justiça e Sociedade
da FGV Direito Rio, em parceria com a Universidade
Federal Fluminense (UFF), propõe novas formas de recrutamento e a
reorganização do sistema de ingresso no serviço público federal.
O estudo foi feito após análise em processos seletivos de 20 órgãos federais,
entre eles Abin, Ancine, Anvisa, Banco Central, CVM, INSS, Polícia Federal,
Receita Federal, além dos Ministérios do Planejamento, Relações Exteriores e
Saúde, entre 2001 e 2010.
“Os concursos hoje provocam um impacto
avassalador no mundo sócio-profissional brasileiro. Esses processos
seletivos deveriam ser um meio de avaliar competências, mas se tornaram um fim
em si mesmos, em detrimento da administração pública, mas em prol
de um mercado milionário. Estamos virando um país de concurseiros”, avalia
o coordenador da pesquisa e professor da FGV Direito Rio, Fernando Fontainha.
O estudo foi financiado por meio do projeto
“Pensando o Direito”, da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da
Justiça e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), e mapeou
diversos aspectos, incluindo carreiras com maior oferta de vagas e com melhores
salários no serviço público. De acordo com o relatório, a oferta de vagas é
maior para engenheiros, seguida, de longe, para formados em economia. Já
a remuneração é maior para as áreas de direito, administração e
engenharia. E os salários mais baixos são para as áreas de arquitetura e
biblioteconomia. Isso em relação aos 20 órgãos analisados.
De acordo com o professor Fernando Fontainha, o
estudo não se trata de uma “encomenda particular” feita pelo governo e nem
tem a finalidade de se tornar um projeto de lei. Ele diz que um grupo
de pesquisadores foi selecionado para fazer a pesquisa, que agora está
sendo analisada pelo Ministério da Justiça. “O nosso objetivo é
sugerir um novo marco normativo para o setor, propor um debate para o país. A
gente fez a análise e se permitiu fazer sugestões”, explica Fontainha. O
relatório foi entregue em meados de fevereiro ao governo e a previsão é de que
até abril o Ministério da Justiça emita um parecer sobre o assunto.
O estudo propõe o fim das provas de
múltipla escolha e a obrigatoriedade de haver em todas as seleções provas
práticas e discursivas, além da necessidade de se expor em edital as
habilidades e competências para cada uma das carreiras. A sugestão
inclui ainda a impossibilidade de um candidato prestar o mesmo concurso
mais que três vezes.
“Vários tipos de prova são hoje aplicados no
Brasil, sem, entretanto, existir provas práticas, que emulem ou simulem
situações reais com as quais o eventual aprovado se depararia no cotidiano da carreira”,
diz o professor.“Por exemplo: um técnico do INSS deve saber
atender ao público, muito mais que conhecer abstratamente o direito
previdenciário. Ou, ainda, deve saber operar sistemas eletrônicos, o que não
passível de aferição por múltiplas escolhas de informática. Como aferir se o
candidato é o melhor usuário de banco de dados por múltipla escolha? Por fim, acreditamos
que as provas de múltipla escolha são meios excludentes de aferição. Entendemos
que elas são usadas para excluir uma grande quantidade de pessoas dos certames.
Portanto, concluímos que elas não podem ser usadas para classificar candidatos,
dizer quem é mais apto. No pior dos casos, elas somente seriam aceitáveis para
pré-seleção, exigindo conhecimentos mínimos.”
Em relação à sugestão de um candidato
ficar impossibilitado de prestar o mesmo concurso mais que três vezes,
Fontainha diz que a ideia não é vedar o acesso aos cargos, mas
incentivar o candidato em concursos específicos, estimulando sua preparação
focalizada. Assim, só iria se submeter ao concurso o candidato que estivesse
realmente preparado.
Outro destaque é a criação de uma empresa
pública para organizar os concursos federais, o que, na opinião dos
pesquisadores, poderia baratear as taxas de inscrição e diminuir o número de
fraudes. “Seria uma empresa composta por funcionários públicos, assim
deixaríamos de terceirizar a organização e a ligação seria funcional, não
contratual”, diz Fontainha. Segundo ele, a ideia é que a atividade seja estatal
e que os envolvidos sejam servidores afastados das funções,
exclusivamente dedicados ao concurso, no período de sua realização.
O estudo sugere ainda que os candidatos
aprovados passem pelas chamadas escolas de serviço público. Nessas
escolas seria realizado o estágio probatório, que seria a última etapa do
concurso, e também o período de formação inicial. “A PF e o Instituto Rio
Branco já têm isso, as polícias têm a Acadepol. Seria uma associação de aulas e
estágio e, depois de 3 anos, você está confirmado na carreira”,
explica o professor.
“Não queremos aperfeiçoar o sistema de
recrutamento, queremos outro. Um que articule preparação, realização
prática, avaliação, organização e formação em torno de um processo que não seja
mais completamente desvinculado da noção de carreira”, diz Fontainha.
Três formas de seleção
O estudo propõe ainda três possibilidades de
recrutamento: o recrutamento acadêmico, o interno e o profissional.
O recrutamento acadêmico
englobaria a busca por jovens egressos no sistema de ensino que aprenderiam e
desenvolveriam das bases as competências necessárias para o exercício da
função. As condições de participação seriam focadas no diploma e demais títulos
acadêmicos, as provas abordariam o ambiente escolar/universitário e a formação
inicial (uma espécie de curso de formação para se preparar para o cargo) seria
obrigatória.
O recrutamento burocrático
abrange a busca por profissionais já inseridos na administração pública que
tivessem interesse em focar suas habilidades no exercício de outra função. As
condições de participação seriam focadas no tempo de serviço público efetivo (o
recomendável é não menos que 5 anos) e as provas abordariam o ambiente
profissional da administração pública.
O recrutamento profissional
buscaria profissionais do mercado para oxigenar o serviço público. As condições
de participação seriam focadas no tempo de experiência no mercado (recomendável
não menos que 10 anos), e as provas abordariam o ambiente profissional externo
à administração pública.
“O que nos interessa é debater a possibilidade de
democratizar o acesso, com a valorização de perfis diferentes de pessoas. Por
exemplo, abrem-se 50 vagas para delegado da Polícia Federal. Decide-se abrir,
na verdade, um concurso com três alocações diferenciadas de vagas. O primeiro
lote com 40 vagas para recém-formados, sem experiência. O segundo lote com 5
vagas para funcionários públicos com pelo menos 5 anos de exercício efetivo. E
o terceiro com 5 vagas para profissionais com pelo menos 10 anos de
experiência. Não se trata, em absoluto, de ‘concurso interno’. É a necessidade
de discutir a potencial definição de perfis diferenciados de vagas em prol da
democratização do acesso”, finaliza Fontainha.
Fonte: G1
Vamos imaginar que esse estude se transformasse
integralmente em uma nova lei, com tudo sugerido nele implementado. Daria uma IMENSA
sacudida no universo dos concursos públicos.
Como disse o professor Fontainha, não se trata de
um modelo de aperfeiçoamento, e sim de um novo modelo, pensado para modificar
inclusive o perfil daqueles que hoje são aprovados dentro do atual sistema de
seleção.
Quem pensa em concursos públicos para a vida
profissional teria de se readequar inteiramente como estudante.
Foi interessante ver também que um estudo da FGV
constate que as provas de múltipla escolha são meios excludentes
de aferição. Melhor definição não existe para explicar hoje o que é o
Exame de Ordem. Um instrumento de reprovação em massa que privilegia o
decorador de leis na 1ª fase e o pensamento rígido e esquemático na prova
subjetiva.
Claro, tudo isso ainda não passa de um estudo, de
propostas, mas por si mesmo já é um embrião para o início de um debate. e com
isso, em algum momento no futuro, a atual lógica dos concursos poderá ser
alterada.
A frase mais impactante da matéria acima foi
esta:
“Esses processos seletivos deveriam
ser um meio de avaliar competências, mas se tornaram um fim em si mesmos, em
detrimento da administração pública, mas em prol de um
mercado milionário. Estamos virando um país de concurseiros”
“Um país de concurseiros“. Sim, somos um
país de concurseiros, e, ao menos para mim, será essa frase a nortear o avanço
deste estudo rumo a um novo sistema de seleção público. Nada para amanhã,
evidente.
Não demorará e algum parlamentar, ao tomar
conhecimento desta ideia, oferecerá um Projeto de Lei neste sentido. Aí o
debate irá ganhar contornos mais consistentes e amplos.
Este estudo é um start. Fiquem de olho!
Fonte: G1 e Maurício Giesler