5 de set. de 2015

Grupo Odebrecht pagará R$ 50 milhões por trabalho escravo



O Ministério Público do Trabalho (MPT) em Campinas (SP) conseguiu na Justiça a condenação do grupo Odebrecht em R$ 50 milhões por trabalho escravo, aliciamento e tráfico internacional de pessoas nas obras de construção de uma usina de cana-de-açúcar em Angola, na África. A sentença é da 2ª Vara do Trabalho de Araraquara (SP). A decisão representa a maior condenação por trabalho escravo já emitida no Brasil.



O inquérito contra a Odebrecht foi instaurado pelo procurador Rafael de Araújo Gomes a partir da publicação de uma série de reportagens veiculadas pela BBC Brasil, mencionando a existência de inúmeras condenações judiciais reconhecendo a submissão de brasileiros a trabalho degradante na Angola. Os empregados haviam sido contratados na cidade de Américo Brasiliense (SP).

As obras pertenciam à Companhia de Bioenergia de Angola – Biocom, empresa angolana da qual são sócios a Odebrecht Angola, empresa do grupo multinacional brasileiro Odebrecht; a Sonangol Holdings, vinculada à estatal petrolífera de Angola; e a Damer Industria S.A, companhia privada que tem como sócios dois generais e o vice-presidente de Angola. Atualmente, a Damer foi substituída pela Cochan S.A., pertencente a apenas um desses generais.

As provas produzidas nas dezenas de reclamações trabalhistas movidas contra a Odebrecht e a Pirâmide Assistência Técnica, uma prestadora de serviços da Biocom, revelam que os operários envolvidos em montagens industriais trabalhavam em condições análogas às de escravo, particularmente no que se refere a instalações sanitárias, áreas de vivência, alimentação e água para beber.

Vários trabalhadores adoeceram em razão das condições a que foram submetidos. Na obra havia, em média, 400 trabalhadores registrados em Américo Brasiliense pela Pirâmide. Resultados de exames médicos de trabalhadores que retornaram de Angola, encaminhados pelo Departamento Municipal de Saúde da Prefeitura de Américo Brasiliense, mostram que vários operários apresentaram febre, dor de cabeça, dor abdominal, diarreia, náuseas, fezes com sangue, emagrecimento, e alguns apresentaram suspeita de febre tifoide.
Obrigações 

Na sentença, o juiz Carlos Alberto Frigieri também determina que a Odebrecht deixe de realizar, promover, estimular ou contribuir para a submissão de trabalhadores à condição análoga a de escravo. A empresa ainda está proibida de realizar aliciamento nacional ou internacional de trabalhadores. Em caso de descumprimento, será cobrada multa diária de R$ 200 mil.

O grupo não pode mais utilizar mão de obra contratada no Brasil em seus empreendimentos no exterior sem o visto de trabalho já concedido pelo governo local, sob pena de multa diária de R$ 120 mil. A companhia ainda fica impedida de realizar intermediação de mão de obra com o envolvimento de aliciadores – os chamados “gatos” -, com risco de sofrer multa de R$ 100 mil.

A Justiça também obrigou a Odebrecht a divulgar a decisão em dois grandes veículos de comunicação após o trânsito em julgado do caso (quando não cabe mais recurso. Atualmente, ainda cabe recurso ao Tribunal Regional do Trabalho de Campinas (TRT 15ª Região). O grupo é formado pelas empresas Construtora Norberto Odebrecht S.A., Odebrecht Serviços de Exportação S.A. (antes denominada Olex Importação e Exportação S.A.) e Odebrecht Agroindustrial S.A. (antes denominada ETH Bioenergia).
Trabalho escravo 

Em depoimentos prestados à Justiça, os trabalhadores relataram que os ambientes na obra eram muito sujos e os banheiros, distantes do local de trabalho, permaneciam sempre cheios e entupidos, obrigando-os a evacuar no mato. Os relatos revelam ainda que a água consumida era salobra e a comida, estragada.

Outros depoimentos deram conta de que era consumida uma carne vermelha que se imaginava ser bovina. No entanto, a partir de informações do próprio cozinheiro, os trabalhadores descobriram tratava-se de carne de jiboia. Dentro da cozinha do refeitório era comum a presença de baratas e ratos; depoentes alegaram ter visto um rato morto entre os pratos. Quando um dos operários se deparou com um macaco na cozinha, desistiu de comer no local, pois sabia que o animal seria morto e servido aos trabalhadores como refeição.

Provas reunidas pelo MPT demonstra que os trabalhadores brasileiros foram também submetidos ao cerceamento de sua liberdade, inclusive mediante a apropriação de documentos com o propósito de serem mantidos confinados no canteiro de obras. Chegando a Angola, o procedimento adotado pela Biocom/Odebrecht era de imediatamente tomar todos os passaportes, documento de identificação indispensável à salvaguarda dos direitos do estrangeiro. Além disso, não era disponibilizado aos trabalhadores qualquer transporte para sair do canteiro de obras, ainda que aos finais de semana e nas folgas.
Sonegação fiscal 

O dinheiro utilizado para remunerar as contratadas da Biocom pode ter vindo, diretamente, da construtora brasileira Norberto Odebrecht ou da Odebrecht Agroindustrial. Neste caso, os pagamentos deveriam ter tido incidência de PIS (Programa de Integração Social) e de Confins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), como previsto na legislação tributária, o que não foi verificado.

Os tributos só não seriam cobrados caso as companhias contratadas pela Biocom (exportadores) mantivessem as divisas recebidas aplicadas no exterior (lei 11.371/2006), o que não foi o caso. As exportadoras são empresas brasileiras como a Pirâmide, que receberam no Brasil o seu pagamento, com depósito em conta pela Olex.

O grupo Odebrecht também é suspeito de obter irregularmente incentivos e empréstimos de instituições financeiras públicas como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Segundo contratos e recibos de pagamento relacionados à obra, esta teria sido financiada com dinheiro do BNDES, o problema é que não há qualquer registro da concessão do financiamento.
Fonte: Ministério Público do Trabalho