Manifestante tira máscara e mostra documento a policial militar durante o "Baile dos Mascarados", nesta terça, no centro do Rio
O primeiro protesto realizado após a decisão judicial que permite a identificação criminal e a condução à delegacia de manifestantes mascarados,
principalmente os "black blocs", na noite desta terça-feira (4),
provocou tumulto e discussões acaloradas entre jovens e policiais
militares na Cinelândia, no centro do Rio de Janeiro. Duas pessoas foram presas porque não quiseram se identificar, segundo a PM.
Para a professora de Direito Penal e de Criminologia da FND (Faculdade
Nacional de Direito), Luciana Boiteux, a "identificação criminal
forçada" é "inconstitucional e autoritária". O advogado Felipe Coelho,
do DDH (Insituto de Defensores de Direitos Humanos), também vê aspectos
de ilegalidade na decisão da Justiça.
"Ninguém pode ser conduzido coercitivamente sem que tenha praticado
crime previsto em lei federal, é o princípio basilar da legalidade,
previsto tanto na constituição quando no Código Penal", avaliou Luciana.
"Não pode uma decisão judicial inovar na ordem jurídica desta forma. A
medida é uma inovação perante a Constituição e a própria lei de
identificação criminal", afirmou Coelho. "A decisão tem conteúdo lei,
criando uma ordem genérica e abstrata contra um número indeterminado de
pessoas", acrescentou ele.
Já o professor de Direito Constitucional da FGV (Fundação Getúlio
Vargas) Álvaro Palma de Jorge argumenta que o dispositivo fornecido pelo
Ministério Público do Estado, requerente da medida que possibilita a
identificação criminal dos manifestantes, é insuficiente para que se
entenda a decisão como um todo.
"Neste caso, parece que o MP bateu nas portas do Judiciário e
apresentou a excepcionalidade da situação e demonstrou que não havia
outra forma. Só faz sentido pensar nisso como uma decisão que foi
respalda por um conjunto probatório apresentado a um juiz. Por isso, a
priori, eu não vejo traços de arbitrariedade, porque acredito no
Judiciário. Parto do pressuposto que a decisão judicial aplicou o
conjunto de normas pertinente e ponderou as provas que estão nos autos",
completou o especialista.
Para Jorge, é muito provável que dentro dos autos do processo exista um
conjunto de informações e documentos que provem a participação destes
grupos em atividades não amparadas pela lei.
Luciana, no entanto, lembra que o Poder Judiciário não pode legislar
nem criar tipos penais. "Nem muito menos emitir ordens genéricas de
prisão ou de condução forçada fora dos ditames da lei e dos limites
constitucionais". Segundo ela, as únicas hipóteses admitidas em lei de
condução coercitiva pelas autoridades são ou por prisão em flagrante por
crime, ou por ordem de prisão fundamentada de autoridade competente,
com base na lei processual, em casos excepcionais.
"É um excepcionalidade muito perigosa para um Estado Democrático de Direito", concluiu a professora da FND.
"É um excepcionalidade muito perigosa para um Estado Democrático de Direito", concluiu a professora da FND.
Integrante do grupo de advogados voluntários Habeas Corpus, da OAB-RJ
(Ordem dos Advogados do Brasil no Rio de Janeiro), o advogado Antonio
Carlos Fernandes afirmou que a Constituição estabelece que a pessoa
civilmente identificada não deverá ser submetida à identificação
criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei.
"Identificar criminalmente alguém consiste em reunir informações acerca de uma pessoa envolvida em uma prática criminosa, com objetivo de se criar uma identidade criminal [registros policiais e folha de antecedentes] para diferenciá-la dos demais indivíduos no âmbito penal. (...) A pessoa sofrerá violência ou coação em sua liberdade de locomoção por ilegalidade ou abuso de poder", disse.
"Identificar criminalmente alguém consiste em reunir informações acerca de uma pessoa envolvida em uma prática criminosa, com objetivo de se criar uma identidade criminal [registros policiais e folha de antecedentes] para diferenciá-la dos demais indivíduos no âmbito penal. (...) A pessoa sofrerá violência ou coação em sua liberdade de locomoção por ilegalidade ou abuso de poder", disse.
Já acostumados às revistas nas mochilas e bolsas, praticadas pelo GPPM
(Grupamento de Policiamento de Proximidade em Multidões) da Polícia
Militar desde o fim de junho, eles resistiram à ação dos policiais, que,
amparados pela decisão da Justiça, foram mais incisivos nas abordagens.
O comandante do grupamento, tenente-coronel Mauro Andrade, permitiu que
um advogado que estava no local lesse a decisão com o auxílio de um
sistema de som. Os ânimos se mantiveram exaltados, com o grupo gritando
repetidamente "inconstitucional" e "Ditadura, sai do armário". Ao
abordarem os manifestantes e obterem suas identificações civis, os PMs
preencheram uma ficha que, segundo Andrade, é um "documento
administrativo" da PM para provar à juíza responsável pela decisão que a
ordem é cumprida.
A confusão só acabou quando começou a chover, por volta das 20h30. A
chuva atenuou a tensão entre manifestantes e policiais e dispersou a
maioria do grupo de ativistas.
Cabral apoia
Na segunda-feira (2), o governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), afirmou ser favorável à proibição de máscaras.
"O conceito de não ter mascarado em manifestação, acho absolutamente correto. As pessoas têm de mostrar a sua cara quando se manifestarem", disse Cabral, durante solenidade no Palácio Guanabara.
"O conceito de não ter mascarado em manifestação, acho absolutamente correto. As pessoas têm de mostrar a sua cara quando se manifestarem", disse Cabral, durante solenidade no Palácio Guanabara.