Juiz Fernando Cordioli Garcia, 33, afastado da comarca de Otacílio Costa (250 km de Florianópolis)
O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) pediu ao TJ-SC (Tribunal de
Justiça de Santa Catarina) exame de sanidade mental do juiz Fernando
Cordioli Garcia, 33, crítico do Judiciário catarinense. A Corregedoria
do TJ afastou o juiz da comarca de Otacílio Costa (250 km de
Florianópolis) sob acusação de "participação político-partidária" e
"instabilidade", primeiro passo para exonerá-lo da magistratura. O
enfrentamento do juiz com o Judiciário começou no ano passado, mas só
foi tornado público nesta semana.
Cordioli enfrenta um processo disciplinar no TJ que pode resultar em
sua aposentadoria compulsória. Ele foi afastado provisoriamente do cargo
em dezembro, pelo voto de 49 dos 62 desembargadores, depois que 12
queixas chegaram à corregedoria. O juiz recorreu ao CNJ, que devolveu o
caso ao TJ-SC sem entrar no mérito das acusações, pedindo apenas o exame
de sanidade mental. O processo tem prazo de 180 dias para ser
concluído.
No processo, o corregedor Vanderlei Romer afirma que o juiz "dedica-se à
atividade político-partidária (...), manifesta-se pelos meios de
comunicação (...), não trata com cortesia os colegas, não usa linguagem
respeitosa (...) e não guarda reserva sobre dados ou fatos que tomou
conhecimento no exercício da atividade jurisdicional". Num parágrafo,
diz que o juiz "demonstra instabilidade".
Segundo Romer as queixas contra o juiz partiram "de variados segmentos
da sociedade, do Ministério Público, Juiz de Direito, advogados,
servidores autoridades políticas, etc". As queixas justificariam a
necessidade do afastamento "dada sua [do juiz] expressiva interferência
nas políticas públicas".
O desembargador Salim Schaed dos Santos foi voto contrário na sessão do
TJ que determinou o afastamento. Ele comparou a atuação de Cordioli com
a do ministro Joaquim Barbosa e a da ministra Eliana Calmon. Disse que
Cordioli representa um tipo de juiz moderno, que busca dar celeridade
aos processos e que, por isso, às vezes, é incompreendido. Seria da
corrente do "ativismo judicial", o juiz fora dos gabinetes.
Entre os queixosos aparece nos autos o ex-prefeito de Otacílio Costa
Denilson Padilha (PMDB). Ele acusou o juiz de ajudar a oposição nas
eleições de outubro. Padilha perdeu a reeleição.
Só processava "PPP"
O Ministério Público Estadual acusou o juiz de desrespeitar seus
promotores e usar linguagem ofensiva - num despacho, Cordioli escreveu
que um promotor deveria "se olhar no espelho". Noutro, disse que um
promotor engavetava acusações "contra a elite e os coronéis da política
da cidade" e só processava "PPP" (pretos, pobres e prostitutas).
Cordioli é juiz desde 2007 e assumiu a comarca de Otacílio Costa em
2010. Ele era citado na imprensa regional como "juiz coragem" porque nos
autos dos processos registrava os desvios éticos e profissionais de
colegas juízes, promotores, servidores e advogados. Estava prestes a ser
promovido, quando foi afastado do cargo.
A Corregedoria do TJ-SC, num ato sem precedentes contra um dos seus
juízes, divulgou nessa terça (30) as 12 reclamações contra ele. Nesta
quinta (2), Cordioli apresentou sua defesa.
"Dizem que sou louco, mas não corrupto"
Cordioli disse ao UOL, em Florianópolis, que é "vítima
de assédio moral de gente que não aceita um juiz como eu" --ele se
define como alguém que trabalhava "com independência dos chefes
políticos da cidade e contra um MPE duro só com PPP".
O juiz disse que se tornou "o inimigo público do MPE ao denunciar que
nos processos em que atuava "os ricos e poderosos raramente eram
incomodados, quase sempre ficavam engavetados na Promotoria".
Ele deu um exemplo: "Um empresário poderoso foi processado por crime
ambiental quando eu ainda estava na universidade, em 2003. Quando assumi
como juiz, descobri tantas fraudes que tive que fazer diligências de
surpresa, senão alguém soprava para os réus. O processo foi tirado da
minha comarca por vias espúrias e até hoje está parado no Tribunal de
Justiça".
Cordioli é solteiro, nascido em Lages (220 km de Florianópolis).
Com frequência, ele fez piadas sobre seu estado mental: "Dizem que sou
louco, mas pelo menos não me chamam de corrupto. Sou louco por querer
fazer a máquina do Judiciário funcionar".
Ele anda num carro Ford Fiesta, mas tem um BMW na garagem de casa: "É
uma pequena concessão que me fiz. Escolhi um carro de luxo para eles
pensarem que também roubo, como eles", diz, sem citar que são "eles".
Leilão de carro de ex-prefeito em praça pública
Em 2012, Cordioli leiloou dois carros do prefeito de Palmeira em praça
pública. O dinheiro era para pagar condenação por desvio de dinheiro
público. Um terceiro carro, no qual o prefeito tentava viajar para
Florianópolis, foi apreendido pela Polícia Rodoviária Federal depois que
o juiz mandou uma ordem por fax para o posto de patrulha. O prefeito
ficou a pé no acostamento.
Quando a polícia pedia a prisão de alguém, o juiz despachava a mão no
próprio requerimento, poupando toda burocracia: "É um recurso que está
no Código de Processo Penal desde 1940", afirma.
Depois que o MP se recusou a pagar peritos num processo contra outro
ex-prefeito, o juiz pediu auxílio do 10º Batalhão de Engenharia do
Exército para avaliar a casa do réu. Um destacamento cercou a casa,
fotografou tudo e a avaliou em R$ 500 mil. Em seguida, quando estava
prestes a transformar a residência num abrigo municipal para órfãos,
Cordioli foi afastado.
Num processo ambiental, ordenou à Fundação de Amparo ao Meio Ambiente
derrubar a casa de um vereador erguida em área de preservação. Como a
ordem judicial não foi cumprida, Cordioli fez o serviço ele mesmo, com a
ajuda de um operário.
Descontente em ver condenados a penas alternativas não cumprirem suas
sentenças, o juiz exigiu que todos fossem ao quartel da PM às 9h dos
sábados. Recebia o pessoal de pá na mão e comandava operações
tapa-buracos nas ruas de Otacílio Costa.
O juiz andava de bicicleta na cidade.
Cordioli visitou um desembargador vestindo jaqueta de couro e com barba por fazer.
Nas audiências criminais preliminares ele soltava pessoas que sabia que
enfrentariam longas batalhas judiciais por coisas insignificantes.
Defendeu um rico. O homem tinha podado uns pinheiros e a Polícia
Ambiental o autuou. O juiz concluiu que a denúncia fora perseguição
política e o inocentou sob o argumento de que podar árvores não é crime.
No ano passado, queixou-se de corrupção em Otacílio Costa ao governador Raimundo Colombo (PSD) e pediu intervenção na cidade.
Para vereadores queixosos de postos de saúde sem médico e sem remédios,
sugeriu que responsabilizassem o prefeito e os ensinou a como fazer um
processo de impeachment.
Sugeriu que uma mulher drogada, mãe de três filhos que já viviam nas ruas, fizesse uma laqueadura.