Morador considerado nocivo para o condomínio é proibido de continuar habitando seu apartamento
Negando provimento ao recurso de apelação interposto por J.A.D., a 10.ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná confirmou a sentença do Juízo da 22.ª Vara Cível do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba que determinou que o apelante, morador do Condomínio Edifício Rio Sena, abstenha-se de usar/habitar o apartamento (unidade 901), do qual é proprietário.
A contumaz conduta antissocial (em tese, criminosa) do referido
morador foi considerada nociva para aquela comunidade condominial.
Os fatos que resultaram na exclusão do condômino foram relatados,
sinteticamente, na seguinte notícia publicada, em 29/09/2009, pelo
jornal Gazeta do Povo: "Empresário de 78 anos foi preso na manhã
desta segunda-feira (21) em Curitiba acusado de prender mulheres em seu
apartamento para assediá-las sexualmente. Policiais da Delegacia da
Mulher conseguiram um mandado de busca, apreensão e prisão provisória
graças à denuncia de uma vítima que alega ter ficado presa com o homem
por 15 dias. Além de prender o suspeito, os oficiais libertaram uma
mulher que estava no apartamento do homem há dois dias. Também foram
apreendidos objetos eróticos, três carteiras de identidade e onze
carteiras de trabalho. ‘Ele fazia parecer uma proposta séria e oferecia
salários de cerca de R$1.200', diz a delegada Sâmia Cristina Coser, da
Delegacia da Mulher".
Outro veículo de comunicação também noticiou o fato: "[...] Os
anúncios em jornais ofereciam, para empregada com experiência e sem
filhos, para morar no emprego, salário superior a R$1,2 mil. Logo depois
que a candidata entrava no apartamento, ele trancava a porta e
guardava os documentos da vítima, e passava a assediá-la, conforme
detalhou a delegada. As câmeras de segurança do edifício registraram
117 candidatas. As que ele considerava feia, dispensava em poucos
minutos. As outras ele as obrigava a assistir filmes pornográficos. A
delegada descobriu que uma das vítimas ficou presa no apartamento por
mais de 15 dias, sem conseguir se comunicar. ‘Ela contou que tentou
jogar bilhetes pela janela para avisar o porteiro, mas não conseguiu', complementou. Na maioria dos casos, Jamhar não devolveu os
documentos das vítimas. Ele as ameaçava dizendo que se fosse denunciado
os usaria para prejudicá-las. Além disso, as humilhava dizendo que
ninguém acreditaria nelas, pois eram moças pobres denunciando um homem
rico, obviamente com interesses financeiros. [...]". (Paraná Online, 22/09/2009)
O relator do recurso de apelação, desembargador Arquelau Araújo Ribas,
em longo (50 laudas) e primoroso voto, fundamenta meticulosamente essa
decisão que restringe o direito de uso de um bem imóvel (apartamento)
de um condômino para preservar o interesse e o bem-estar de outros
moradores do mesmo condomínio.
Entre as considerações que fundamentaram a decisão, destacam-se as
seguintes: "Aqui chegamos ao primeiro ponto de considerável relevância
na análise do caso em apreço, que é a consubstanciação da conduta
antissocial, ou seja, não se está tratando daquele condômino sisudo,
calado, de pouca educação, ou de trato ríspido, mas sim, daquele que
gera na coletividade, pânico, insegurança, repulsa, em razão da prática
reiterada de atos atentatórios à dignidade dos seus pares".
"Cabe, portanto, ao Estado/juiz, em seu poder/dever de dizer o
direito, a outorga de uma tutela jurisdicional, mais do que justa,
efetiva, no intuito de resguardar as garantias constitucionais
individuais daquela coletividade, ainda que, resultem em mitigar
parcela do direito de propriedade do réu, mais especificamente, quanto
ao seu direito de habitação da sua unidade condominial."
"A propriedade é um direito real, assegurado pela Constituição
Federal, que confere ao seu titular o direito de usar, gozar, dispor,
fruir, reaver nos termos do artigo 1.228 do Código Civil: ‘Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha'."
"Contudo, hodiernamente, não mais vigora o caráter absoluto do
direito de propriedade, haja vista que este sofre limitações advindas
da lei, dos princípios e, até mesmo, da própria vontade do
proprietário."
"Portanto, a função social limita o exercício do direito de
propriedade, que deve ser realizado em conformidade com a finalidade
econômica e social do bem."
"[...] em que pese o silêncio do legislador quanto à exclusão
extrajudicial do condômino antissocial, houve previsão expressa de
procedimentos administrativos que possibilitam a punição das condutas
atentatórias, o que autoriza a dedução da pretensão em juízo podendo o
julgador, preenchidas as formalidades legais, ou seja, esgotada a via
administrativa, de acordo com as peculiaridades do caso concreto,
restringir o direito de uso da propriedade."
"Anote-se que a exclusão do condômino antissocial não ofende ao seu
direito de propriedade, mas apenas restringe o seu direito de moradia
naquela propriedade, que permanece sob sua titularidade, podendo ainda
dela dispor, ou seja, vender, alugar, doar, ceder gratuitamente, etc."
"Trata-se de ponderação entre a garantia fundamental da função
social da propriedade e a garantia constitucional da moradia e
repita-se, não se está retirando do autor, seu direito à propriedade,
mas apenas mitigando um dos direitos inerentes à propriedade, qual seja
o de usar/habitar o bem."
"Daí resulta que a tormentosa decisão como a do caso em tela, de
retirar de um idoso como o requerido, o direito a habitar sua própria
residência, somente se admite excepcionalmente, frente à inexistência de
outras medidas administrativas que surtam o efeito necessário."
"Note-se que a unidade condominial em questão, foi utilizada com
evidente desvio de finalidade, pois, além de não cumprir com sua função
social constitucionalmente prevista, servia como instrumento para
prática de ilícitos criminais (em tese), civis e trabalhistas, através
do qual o apelante saciava sua lascívia, contudo, transbordando os
limites dos seus próprios direitos."
"Ora, não se trata de "fetichismo" ou sexualidade deturpada,
limitada a "quatro paredes", mas desvios que extrapolavam os limites da
propriedade, atingindo toda uma coletividade de famílias, as quais
somente voltarão a normalidade, após o afastamento do "condômino
antissocial" daquele local."
(Apelação Cível nº 957743-1)