A vítima morreu três vezes: no ato da agressão, na impossibilidade de obter justiça e na destruição de sua imagem pública
Texto relata o silêncio em torno da morte da estudante da PUC-SP, que tinha 21 anos, Viviane Alves Guimarães (foto acima), que se jogou do prédio onde morava no bairro Morumbi, na capital paulista, em 3 de dezembro de 2012 . Um suposto estupro pode ter motivado o suicídio da jovem. Viviane era estagiária de um dos maiores escritórios de advocacia de São Paulo (Machado Meyer Advogados). Segundo familiares, ela era uma jovem feliz e realizada.
Por Felipe B
Abra as pernas, feche a boca e tente não morrer: como ser uma jovem mulher em São Paulo.
Você possui o escritório de advocacia mais influente do país. Seus
jovens sócios, mulheres e homens com menos de 40 anos que se acham os
donos de São Paulo e ostentam salários mensais acima de 100 mil reais,
decidem brincar com a vida e autoestima de uma menina de 21 anos
começando a carreira como estagiária na empresa.
O combinado é sacanear a menina, certos da impunidade. Domínio dos
meandros legais que fazem os algozes terem a certeza da impunidade. O
ônus da prova ficará todo com a vítima.
Você é informado sobre o crime (apesar de seus jovens sócios e demais
advogados influentes não olharem essa questão através do mesmo prisma
moral dos pobres mortais) e aciona o departamento de gerenciamento de
crise para preparar uma ação de acobertamento, caso alguma denúncia seja
feita. O primeiro passo é escrutinar a vida sexual da vítima e
catalogar qualquer “desvio de conduta”. Prepare um rol de testemunhas
pagas a peso de ouro. Também prepare a compra do silêncio da vítima,
ameaçando-a de ter a carreira encerrada em qualquer instituição de peso
caso leve adiante a vontade de fazer justiça.
Enquanto isso os jovens sócios se regozijam do crime perfeito, da arte
de terem sacaneado a novata. Provavelmente algumas das sócias,
ex-estagiárias também estão rindo. Não é uma questão de gênero. É uma
questão de poder.
Ao mesmo tempo que comemoram a impunidade, os jovens sócios ainda estão
eufóricos por serem os responsáveis pelo escritório ter recebido o
prêmio de Ëscritório do Ano no Brasil, pela consagrada publicação
International Financial Law Review. Além de serem jovens e donos do
mundo, agora o bônus será polpudo.
Mas a vítima não suporta a pressão. Decide pelo suicídio, em um dos bairros mais nobres da capital.
Merda no ventilador. Departamento de gestão de crise pesa a mão. Quem
der prosseguimento na apuração pode perder alguns de seus maiores
anunciantes. MSM fica calada. Alguns delegados também.
A vítima morreu três vezes: no ato da agressão, na impossibilidade de obter justiça e na destruição de sua imagem pública.
O escritório fará de tudo para manter a blindagem em seus jovens sócios
criminosos e assassinos. Afinal, eles são a fonte de prosperidade do
negócio, com sua agressividade e falta de ética. Estão ali para vencer.
Para atropelarem os fracos que não aguentam os ritos de passagem para o
mundo do poder sem limites, no qual uma jovem mulher não passa de mero
brinquedo descartável.
Afinal, a temporada de contratação de novos estagiários já está aberta. E elas vão continuar correndo atrás do sonho.
Não é um livro de Scott Turow. Não teremos um herói para desvendar esse crime e fazer justiça. Vai tudo ser varrido para debaixo do tapete.
FONTE: Folha Social