O presidente do Superior
Tribunal de Justiça (STJ), ministro Felix Fischer, homologou sentença do
Tribunal de Assinatura Apostólica, do Vaticano, sobre declaração de
nulidade de matrimônio de um casal brasileiro, com base no Acordo
Brasil-Santa Sé, relativo ao Estatuto Jurídico na Igreja Católica no
País, promulgado em 2010.
“É a primeira vez que isso ocorre e a
grande novidade é que, como o casamento foi considerado nulo pela
Igreja, marido e mulher passaram a ser solteiros, e não divorciados,
como seria se tivessem conseguido a anulação pela lei civil”, disse o
canonista Edson Luiz Sampel, doutor em Direito Canônico e ex-juiz do
Tribunal Eclesiástico da Arquidiocese de São Paulo.
Como o processo correu sob sigilo
judicial, o STJ não revelou a identidade das partes. Afirmou que o
marido acusou a mulher de pedofilia, ao pedir a declaração de nulidade
no Tribunal Eclesiástico Interdiocesano de Vitória, cuja sentença foi
confirmada em segunda instância pelo Tribunal da Arquidiocese de
Aparecida (SP).
Ao homologar a decisão do órgão superior
da Santa Sé, que é considerada sentença estrangeira e tem valor legal
no País, Fischer afirmou que o pedido não ofende a soberania nacional, a
ordem pública e os bons costumes. De acordo com o artigo 12 do Acordo
Brasil-Santa Sé, o casamento celebrado em conformidade com a lei
canônica atende às exigências do Direito brasileiro e produzirá efeitos
civis.
O Código de Direito Canônico, promulgado
em 1983, exige que, para ser válida e permitir novo casamento, a
declaração de nulidade deve ser dada por, pelo menos, dois tribunais. O
primeiro tribunal que aprovar a declaração de nulidade é obrigado a
encaminhar o processo a um segundo tribunal no prazo de 20 dias. Cabe ao
Vaticano confirmar a sentença.
Nulidade
A Igreja não anula o casamento, para ela
indissolúvel, mas reconhece a nulidade de um matrimônio que nunca
existiu. As causas são muitas e quase nunca se alega apenas uma no
processo. Uma hipótese comum nos tribunais eclesiásticos, diz Sampel, é
“a exclusão do bem da fidelidade, quando um dos nubentes foi sempre
infiel, tendo tido outros parceiros sexuais desde o namoro”.
Algumas causas de nulidade podem ser
exclusivamente canônicas, mas outras são relevantes também para o
Direito Civil. Um exemplo, segundo o canonista, é a coação irresistível,
como uma ameaça de morte, que torna o casamento nulo tanto pelo Direito
Civil como pelo Eclesiástico. Outro exemplo seria no caso de o noivo
não ter a idade mínima de 16 anos.
“Resta saber se a Justiça brasileira
homologará somente as sentenças em que a nulidade provier de causas
concomitantemente relevantes para o Direito Civil e para o Direito
Canônico ou de causas de nulidade exclusivamente canônicas”, diz Sampel.
Conforme ele, a tendência será o STJ homologar todas as decisões do
Vaticano, contanto que não firam a soberania nacional, a ordem pública e
os bons costumes. Esta é também a opinião do advogado Hugo Sarubbi
Cysneiros, de Brasília, que já atuou em mais de 30 processos de
homologação de sentença estrangeira.
Na análise de Cysneiros, o STJ dá a
aprovação sem entrar no mérito da separação e sem examinar casos como
direito de pensão para o ex-cônjuge ou de visita para os filhos. É o que
ocorre na homologação de sentenças de outros países, quando um casal
que se uniu no Brasil se divorcia no exterior e, em seguida, pede a
averbação na justiça brasileira.
Demanda
A homologação da declaração de nulidade
pelo STJ deverá valer tanto para o casamento realizado no cartório e em
igreja como para o religioso celebrado no templo com efeito civil.
Sampel prevê que, após a decisão de Fischer, haverá na Justiça civil um
grande afluxo de pedidos de homologação para declarações de nulidade
proferidas pela Igreja.
“O atrativo será o retorno ao estado de
solteiro, só possível pelo processo canônico”, diz Sampel. Na previsão
do canonista, “interessará a bastante gente voltar ao status de
solteiro, embora tenham passado os tempos tão preconceituosos em que ser
divorciado ou divorciada era uma nódoa pesadíssima imposta pela
sociedade”. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Fonte: Atualidades do Direito