Dosagem alcoólica é insuficiente para definir crime, diz TJ
Fonte: revista eletrônica Consultor Jurídico
A concentração de álcool acima da quantidade máxima prevista na Lei
Seca - seis decigramas por litro de ar expelido dos pulmões - não
significa, necessariamente, que o motorista esteja com sua capacidade
psicomotora alterada e, portanto, possa por em risco a segurança no
trânsito. Com esse entendimento, a 8ª Câmara Criminal do Tribunal de
Justiça do Rio acolheu os embargos interpostos por Juliano Silva Dias. O
acórdão foi proferido no dia 14 de março.
O motorista reivindicou, primeiro, a manutenção da sentença de
absolvição do juiz da 11ª Vara Criminal da Capital, Alcides da Fonseca
Neto, e, depois, a prevalência do voto vencido da desembargadora Rosa
Helena Penna Macedo, da 3ª Câmara Criminal, no julgamento de uma
apelação interposta pelo Ministério Público.
"De acordo com a denúncia, o recorrido, ao ser parado aleatoriamente
em uma blitz da denominada 'Operação Lei Seca', submeteu-se ao teste do
bafômetro, que resultou positivo. Em nenhum momento o parquet
[Ministério Público] descreveu, na inicial, que o recorrido estivesse de
modo anormal", diz a decisão.
Segundo o voto, "não basta o 'consumo' para que se esteja 'sob a
influência de'. É preciso mais. É preciso que este consumo, não
necessariamente muito exagerado, reduza no condutor a sua plena aptidão
para conduzir veículos automotores, colocando em risco, assim, a
segurança no trânsito". E completa: "Quando a lei [artigo 306 da Lei
11.705/08] fala em 'sob a influência de', naturalmente está exigindo um
resultado concreto, exteriorizável, que demonstre a presença daquela
influência - e não mera ingestão - por ela exigida".
Para tipificar uma infração penal a lei refere-se a hipóteses em que o
perigo concreto de dano esteja evidente, como ao dirigir sem
habilitação - artigo 309 - e trafegar em velocidade incompatível -
artigo 311. "Ora, como visto, a lei só impõe ao condutor a submissão a
tal exame [bafômetro] se houver fundada suspeita de que esteja dirigindo
embriagado. Se não houver motivo para tal suspeita, que, repita-se,
deve ser calcada, logicamente, em fatos concretos, a imposição de tal
obrigação é ilegal e a prova daí advinda apresenta-se, então,
manifestamente ilegal", diz a decisão, que questiona, ainda, a
autoridade dos agentes que atuam na Operação Lei Seca.
"Se a lei restringe ao magistrado o poder de decretar medidas de
buscas somente nas hipóteses em que houver fundada suspeita de ilícito,
não é possível que um simples policial ou funcionário burocrático do
Departamento de Trânsito tenha poder superior, capaz de impor ao cidadão
que se submeta a tal exame como medida de rotina".
Infração administrativa
Em sua conclusão, o acórdão aponta a necessidade de se indicar o fato
exterior que denuncie que o motorista está sob a influência de álcool,
ou seja, "a conduta anormal, a qual já é suficiente para expor a risco a
segurança viária, e não apenas afirmar que foi ultrapassado o limite
legal de concentração de álcool no sangue, que constitui tão somente
infração administrativa".
Levantamento do TJ-RJ, divulgado no dia 26 de março pelo jornal O Dia,
aponta que em quatro anos de vigência da Lei Seca foram registradas 283
absolvições e 96 condenações. A justificativa para o número reduzido de
punições reproduz o teor do acórdão da 8ª Câmara Criminal citado: não
ficou comprovado que o motorista representou risco nas ruas, apesar de
ter bebido.
Desde janeiro, pela resolução 432 do Conselho Nacional de Trânsito,
basta um gole de bebida alcoólica para o motorista receber multa de R$
1.915,40 e suspensão da carteira em até um ano. Na esfera criminal, a
embriaguez pode ser identificada inclusive com testemunhas e vídeo.