O uso da Ritalina e sua promessa de
turbinar os estudos
Quem não tem um amigo que já usou
ou já ouviu alguém comentando que estava interessado em tomar Ritalina para
melhorar seu rendimento nos estudos e passar em concursos?!
Já me antecipo e digo: sou
contra o uso da Ritalina para turbinar os estudos e meu intuito com esse
post é alertar os concurseiros aos possíveis problemas que seu uso pode
acarretar e seus reais efeitos.
Para quem não sabe do que se trata,
a Ritalina é um medicamento de tarja preta que tem como substância ativa o
cloridrato de metilfenidato, estimulante do sistema nervoso central. Na
medicina, a droga é usada para reduzir impulsividade e hiperatividade de
pessoas com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH),
especialmente crianças.
O tema é polêmico! Muitos
concurseiros e estudantes estão utilizando essa droga por acreditarem que
conseguirão ficar horas e horas estudando sem que o redimento e aprendizado
diminuam. Como se trata de um medicamento tarja preta, sua comercialização só é
possível através de receita médica especial, muitos concurseiros estão
comprando o medicamento no mercado negro, o que sabemos ser totalmente
arriscado e contra-indicado!
Essa semana mesmo em um grupo do
facebook vi alguns concurseiros perguntando como comprar e aonde comprar sem
prescrição médica, e isso aumentou minha vontade em separar um espaço no blog
para discutir a questão.
Trago abaixo uma matéria publicada
do Jornal Estado de São Paulo que apresenta um estudo da Unifesp demonstrando
que a Ritalina não aumenta a memória de longo prazo ou a inteligência. Vejamos:
A Ritalina não promove melhora
cognitiva em pessoas saudáveis. Indicada para transtorno do déficit de atenção
com hiperatividade (TDAH), ela tem sido usada por estudantes que buscam melhor
desempenho em provas e concursos. Apesar da fama que lhe rendeu o apelido de
“pílula da inteligência” ou “droga dos concurseiros”–, uma pesquisa da
Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) mostra que o medicamento não
beneficia a atenção, a memória e as funções executivas (capacidade de planejar
e executar tarefas) em jovens sem o transtorno.
A psicóloga Silmara Batistela,
autora do estudo, decidiu investigar o tema ao perceber a popularização da
prática de doping mental. “É muito comum ouvir o relato de pessoas que, para
passar a noite estudando antes da prova, tomam Ritalina”, diz. O objetivo da
pesquisadora era avaliar se o consumo do medicamento, cujo princípio ativo é o
cloridrato de metilfenidato, realmente trazia vantagens cognitivas.
Para a pesquisa, foram selecionados
36 jovens saudáveis de 18 a 30 anos. Eles foram divididos aleatoriamente em
quatro grupos: um deles tomou placebo e os outros três receberam uma dose única
de 10mg, 20mg ou 40mg da medicação. Depois de tomarem a pílula, os
participantes foram submetidos a uma série de testes que avaliaram atenção,
memória operacional e de longo prazo e funções executivas. O desempenho foi
semelhante nos quatro grupos, o que demonstrou a ineficácia da Ritalina em
“turbinar” cérebros saudáveis.
“O uso não alterou a função
cognitiva. A única diferença que observamos foi que os que tomaram a dose
maior, de 40 mg, relataram uma sensação subjetiva de bem-estar maior em
comparação aos demais”, diz Silmara.
Perigos
O psiquiatra Dartiu Xavier da
Silveira, diretor do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes (Proad)
da Unifesp, observa que o mito de que a Ritalina teria o potencial de tornar
alguém mais inteligente não faz sentido. “A pessoa fala que consegue estudar a
noite inteira com o remédio. Isso é porque ela fica acordada e não porque tem
uma melhora na atenção”, diz. Ele observa que o aprendizado sob o efeito da
droga consumida inadequadamente é de má qualidade.
Silveira destaca que existem
perigos relacionados ao uso inadequado do medicamento. O consumo aumenta os
riscos de problemas do coração e pode levar a um quadro de arritmia cardíaca. O
especialista acrescenta que, tratando-se de uma anfetamina, a droga apresenta
também um potencial de abuso, razão pela qual é controlada e só pode ser
comprada com receita especial.
A alternativa para os que resolvem
usar a Ritalina sem ter indicação é recorrer ao mercado negro. Estudantes
relatam que não é difícil encontrar fornecedores anunciando o produto em fóruns
de discussão na internet.
Um estudante de Economia de 22 anos,
que preferiu não se identificar, conta que soube dos efeitos da Ritalina por um
amigo. “Ouvi falar de uma droga que todos universitários estavam usando na
Europa e nos Estados Unidos para aumentar a concentração. Li sobre seus efeitos
colaterais, para o que servia e, como sempre me achei um pouco hiperativo,
resolvi experimentar.” As duas primeiras caixas foram compradas de um
conhecido. Depois, encontrou um fornecedor na internet que atende aos pedidos
dele e de seus amigos. “A gente pede de uma vez só várias caixas.” Para o
universitário, que toma o remédio para estudar aos fins de semana ou à noite,
quando pretende varar a madrugada entre os livros, a principal vantagem é tirar
o sono. “O ganho está nas horas a mais que estudo na madrugada.”
Segundo ele, também há um aumento
na concentração e na atenção. “Não fiquei mais inteligente, mas meu tempo de
dedicação aos estudos aumentou”, relata. Ele, que foi um dos primeiros entre
seus amigos a usar o recurso, conta que hoje conhece cerca de 15 pessoas que aderiram.
Um de seus amigos, também estudante de Economia, conta que aderiu à pílula por
ter dificuldade de ler textos longos. “Eu começo a me dispersar no meio deles.
Como trabalho o dia inteiro, acaba me faltando tempo para conseguir ler volumes
grandes.” Para ele, a Ritalina o ajuda a ler bastante sem se dispersar.
Encenação
Outra estratégia que tem sido
adotada para obter o remédio é simular os sintomas do TDAH na esperança de
ganhar uma receita. O neuropediatra Paulo Alves Junqueira, membro da Academia
Brasileira de Neurologia (Abneuro), conta que tem existido essa demanda,
principalmente entre os concurseiros. “O médico precisa ter a habilidade de
identificar esses casos: o TDAH não vem de uma hora para outra. É um transtorno
incapacitante que acompanha o paciente ao longo da vida.” Segundo levantamento
feito pelo Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de São
Paulo (Sindusfarma) a pedido do Estado, houve um crescimento de quase 50% na
venda de remédios à base de cloridrato de metilfenidato no Brasil entre 2008 e
2012. Entre setembro de 2007 e outubro de 2008 foram vendidas 1.238.064 caixas,
enquanto entre setembro de 2011 e outubro de 2012 as vendas cresceram para 1.853.930
caixas. Nesse intervalo, os valores gastos com a medicação passaram de R$
37.838.247 para R$ 90.719.793.
Remédio é popular entre os que
prestam concursos
Um dos grupos em que o uso
irregular de Ritalina é mais popular é o dos “concurseiros”: aqueles que se
preparam para conseguir uma aprovação nos concorridos concursos públicos. O
juiz do Trabalho Rogerio Neiva, que dá aula em curso preparatório e pesquisa
sobre neurociência da educação, conta que percebe entre seus alunos “a ideia de
que, tomando a Ritalina, vão ter a fórmula mágica do sucesso intelectual e
cognitivo”.
Para ele, a grande atração dos
estudantes pela droga vem da esperança de que ela acelere o processo de
aprendizado. “Os ‘concurseiros’ estão atrás da facilidade, da dica, do esquema.
É fácil, portanto, cair em qualquer discurso que se aproxime da ‘pílula do
sucesso’”, diz.
No caso de uma “concurseira” de 30
anos, que preferiu não ser identificada, o uso inadequado da Ritalina veio por
sugestão de um médico. Ela fazia um tratamento psiquiátrico para distúrbio de
humor e sempre reclamava de sua falta de concentração e dificuldade de reter o
conteúdo estudado. “Quando você estuda há algum tempo e os resultados positivos
não vêm, você fica buscando justificativas.” Seu médico fez, então, algumas
perguntas para identificar possíveis sinais de TDAH. Como ela respondeu
positivamente a alguns desses sinais, o profissional sugeriu o uso de Ritalina
como teste, para ver se ela teria resultado positivo. “Hoje, vejo que foi um
teste irresponsável das duas partes: ele, como médico, e eu, como adulta e
consciente.”
A estudante diz que logo começaram
a surgir os efeitos negativos. Com a droga, ela conseguia estudar por várias
horas, mas se esquecia de tomar água e se alimentar. “A concentração realmente
aumenta, mas é falha, porque ficar sentada nem sempre quer dizer que você está
aprendendo.” Depois de alguns meses de uso, começou a sentir dores de estômago,
prisão de ventre e tremedeira nas mãos.
Em uma ocasião, viajou para fazer
uma prova e esqueceu o remédio no hotel. Antes do início do exame, o nervosismo
era tanto por saber que teria de fazer a prova sem a droga, que ela roeu todas
as unhas. “Desde esse dia, comecei a avaliar se estava vidrada no medicamento,
se tinha viciado.”
Quando suspendeu o uso, passou
meses sem estudar direito. “Acho que piorei em concentração: é como se eu
tivesse ficado sozinha, sem o remédio que me garantia sucesso. Daí veio o choro
e a revolta.” Hoje, ela conseguiu uma aprovação, que credita aos cinco anos de
estudo, e não à droga.
Neiva observa que a atração pela
Ritalina também pode decorrer do fato de que a vida do “concurseiro” não é
fácil. “A preparação é um processo intelectualmente desgastante. É uma fase
difícil e é natural que as pessoas tentem buscar recursos para minimizar
desgastes”, diz.
Substância é eficaz contra déficit
de atenção.
No caso de pessoas efetivamente diagnosticadas
com TDAH, a Ritalina promove o aumento dos níveis de dopamina no cérebro.
Trata-se de um neurotransmissor que aumenta o estado de alerta e melhora a
cognição, por isso geralmente promove uma melhora nos estudos.
O neuropediatra Paulo Alves
Junqueira, membro da Academia Brasileira de Neurologia (Abneuro), afirma que a
droga não aumenta a inteligência nem fornece habilidades que a pessoa não tinha
anteriormente, “mas deixa o paciente pronto para trabalhar em dobro porque tira
a fadiga e estabelece um esforço para que consiga se manter em determinadas
tarefas”.
O diagnóstico é clínico. “É
necessário fazer uma entrevista artesanal, longa, com várias questões. Tem de
saber das trajetórias do paciente e o quanto tem de prejuízo nos
relacionamentos, no trabalho e na autoestima”, diz. Constatado o transtorno, é
preciso inquirir o histórico cardiovascular do paciente. Os que já tiveram
problemas no coração não devem usar a droga.
“Para quem precisa, o remédio muda
a história de vida do indivíduo. Ouço relatos de portadores que, depois de
serem diagnosticados, mudaram de vida, entraram na faculdade e tiveram várias
realizações. Isso é gratificante”, diz Junqueira.
Para o psiquiatra Dartiu Xavier da
Silveira, a fama da Ritalina de tornar as pessoas mais inteligentes vem do fato
de que portadores de TDAH são frequentemente rotulados de preguiçosos antes do diagnóstico.
“Depois de medicados, o rendimento escolar passa a ser muito bom. Por isso os
pais brincam que é a ‘pílula da inteligência’. Tenho um paciente que diz que
ficou ‘nerd’ depois da Ritalina.”
Fonte: O
Estado de SP