O Movimento Passe Livre
São Paulo (MPL-SP), cujos líderes se reúnem com a presidente Dilma
Rousseff nesta segunda-feira (24), divulgou carta aberta em que reafirma
suas bandeiras e critica a forma como o poder público tem reagido às
manifestações populares das últimas semanas. Na carta, o MPL-SP afirma
que questionará a opinião da presidente a respeito da proposta de
gratuidade do transporte público e sobre o veto a artigo da Política
Nacional de Mobilidade Urbana que incumbia a União de apoiar
financeiramente os municípios em suas políticas de transporte.
Para os integrantes do Movimento Passe
Livre São Paulo, o governo privilegia os transportes individuais, em
detrimento do transporte público, ao investir em estradas e incentivar a
aquisição de automóveis. Eles reivindicam o fim da cobrança pela
passagem de ônibus. Por considerar que a tarifa viola o direito de ir e
vir dos cidadãos, dificultando o acesso a serviços públicos e ao lazer
para aqueles que não podem pagar.
No documento, o MPL-SP também faz
acusações à polícia, criticando a forma como atuaram as forças policiais
ligadas a todos os níveis de governo em todos os locais onde houve
manifestações. O Movimento Passe Livre também questiona o tratamento
dispensado aos povos indígenas e outros movimentos sociais pelo governo
de Dilma Rousseff.
A sequência de manifestações em várias
cidades brasileiras nos últimos dias começou com protestos convocados
pelo MPL em São Paulo após o aumento das tarifas de ônibus e metrô na
cidade. Depois disso, o movimento se ampliou e se espalhou, ganhando
outras causas. Em várias cidades, os manifestantes reivindicam serviços
públicos de mais qualidade, o fim da corrupção, mais transparência nos
gastos, a rejeição da Proposta de Emenda à Constituição 37/2011, que
reduz os poderes de investigação do Ministério Público, entre outras
bandeiras. Centenas de milhares de pessoas foram às ruas, mas em algumas
cidades, como São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Belo Horizonte, têm
ocorrido casos de vandalismo e violência praticados por alguns
manifestantes. Muitos também têm acusado a polícia de praticar
truculência na repressão aos vândalos.
Confira a seguir a íntegra da carta:
“À Presidenta Dilma Rousseff,
Ficamos surpresos com o convite para
esta reunião. Imaginamos que também esteja surpresa com o que vem
acontecendo no país nas últimas semanas. Esse gesto de diálogo que parte
do governo federal destoa do tratamento aos movimentos sociais que tem
marcado a política desta gestão. Parece que as revoltas que se espalham
pelas cidades do Brasil desde o dia seis de junho tem quebrado velhas
catracas e aberto novos caminhos.
O Movimento Passe Livre, desde o
começo, foi parte desse processo. Somos um movimento social autônomo,
horizontal e apartidário, que jamais pretendeu representar o conjunto de
manifestantes que tomou as ruas do país. Nossa palavra é mais uma
dentre aquelas gritadas nas ruas, erguidas em cartazes, pixadas nos
muros. Em São Paulo, convocamos as manifestações com uma reivindicação
clara e concreta: revogar o aumento. Se antes isso parecia impossível,
provamos que não era e avançamos na luta por aquela que é e sempre foi a
nossa bandeira, um transporte verdadeiramente público. É nesse sentido
que viemos até Brasília.
O transporte só pode ser público de
verdade se for acessível a todas e todos, ou seja, entendido como um
direito universal. A injustiça da tarifa fica mais evidente a cada
aumento, a cada vez que mais gente deixa de ter dinheiro para pagar a
passagem. Questionar os aumentos é questionar a própria lógica da
política tarifária, que submete o transporte ao lucro dos empresários, e
não às necessidades da população. Pagar pela circulação na cidade
significa tratar a mobilidade não como direito, mas como mercadoria.
Isso coloca todos os outros direitos em xeque: ir até a escola, até o
hospital, até o parque passa a ter um preço que nem todos podem pagar. O
transporte fica limitado ao ir e vir do trabalho, fechando as portas da
cidade para seus moradores. É para abri-las que defendemos a tarifa zero.
Nesse sentido gostaríamos de conhecer o
posicionamento da presidenta sobre a tarifa zero no transporte público e
sobre a PEC 90/2011, que inclui o transporte no rol dos direitos
sociais do artigo 6º da Constituição Federal. É por entender que o
transporte deveria ser tratado como um direito social, amplo e
irrestrito, que acreditamos ser necessário ir além de qualquer política
limitada a um determinado segmento da sociedade, como os estudantes, no
caso do passe livre estudantil. Defendemos o passe livre para todas e todos!
Embora priorizar o transporte coletivo
esteja no discurso de todos os governos, na prática o Brasil investe
onze vezes mais no transporte individual, por meio de obras viárias e
políticas de crédito para o consumo de carros (IPEA, 2011). O dinheiro
público deve ser investido em transporte público! Gostaríamos de saber
por que a presidenta vetou o inciso V do 16º artigo da Política Nacional
de Mobilidade Urbana (Lei nº 12.587/2012) que responsabilizava a União
por dar apoio financeiro aos municípios que adotassem políticas de
priorização do transporte público. Como deixa claro seu artigo 9º, esta
lei prioriza um modelo de gestão privada baseado na tarifa, adotando o
ponto de vista das empresas e não o dos usuários. O governo federal
precisa tomar a frente no processo de construção de um transporte
público de verdade. A municipalização da CIDE, e sua destinação integral
e exclusiva ao transporte público, representaria um passo nesse caminho
em direção à tarifa zero.
A desoneração de impostos, medida
historicamente defendida pelas empresas de transporte, vai no sentido
oposto. Abrir mão de tributos significa perder o poder sobre o dinheiro
público, liberando verbas às cegas para as máfias dos transportes, sem
qualquer transparência e controle. Para atender as demandas populares
pelo transporte, é necessário construir instrumentos que coloquem no
centro da decisão quem realmente deve ter suas necessidades atendidas:
os usuários e trabalhadores do sistema.
Essa reunião com a presidenta foi
arrancada pela força das ruas, que avançou sobre bombas, balas e
prisões. Os movimentos sociais no Brasil sempre sofreram com a repressão
e a criminalização. Até agora, 2013 não foi diferente: no Mato Grosso
do Sul, vem ocorrendo um massacre de indígenas e a Força Nacional
assassinou, no mês passado, uma liderança Terena durante uma
reintegração de posse; no Distrito Federal, cinco militantes do
Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) foram presos há poucas
semanas em meio às mobilizações contra os impactos da Copa do Mundo da
FIFA. A resposta da polícia aos protestos iniciados em junho não destoa
do conjunto: bombas de gás foram jogadas dentro de hospitais e
faculdades; manifestantes foram perseguidos e espancados pela Polícia
Militar; outros foram baleados; centenas de pessoas foram presas
arbitrariamente; algumas estão sendo acusadas de formação de quadrilha e
incitação ao crime; um homem perdeu a visão; uma garota foi violentada
sexualmente por policiais; uma mulher morreu asfixiada pelo gás
lacrimogêneo. A verdadeira violência que assistimos neste junho veio do
Estado – em todas as suas esferas.
A desmilitarização da polícia,
defendida até pela ONU, e uma política nacional de regulamentação do
armamento menos letal, proibido em diversos países e condenado por
organismos internacionais, são urgentes. Ao oferecer a Força Nacional de
Segurança para conter as manifestações, o Ministro da Justiça mostrou
que o governo federal insiste em tratar os movimentos sociais como
assunto de polícia. As notícias sobre o monitoramento de militantes
feito pela Polícia Federal e pela ABIN vão na mesma direção:
criminalização da luta popular.
Esperamos que essa reunião marque uma
mudança de postura do governo federal que se estenda às outras lutas
sociais: aos povos indígenas que, a exemplo dos Kaiowá-Guarani e dos
Munduruku, têm sofrido diversos ataques por parte de latifundiários e do
poder público; às comunidades atingidas por remoções; aos sem-teto; aos
sem-terra e às mães que tiveram os filhos assassinados pela polícia nas
periferias. Que a mesma postura se estenda também a todas as cidades
que lutam contra o aumento de tarifas e por outro modelo de transporte:
São José dos Campos, Florianópolis, Recife, Rio de Janeiro, Salvador,
Goiânia, entre muitas outras.
Mais do que sentar à mesa e conversar, o
que importa é atender às demandas claras que já estão colocadas pelos
movimentos sociais de todo o país. Contra todos os aumentos do
transporte público, contra a tarifa, continuaremos nas ruas! Tarifa zero
já!
Toda força aos que lutam por uma vida sem catracas!
Movimento Passe Livre São Paulo
24 de junho de 2013”