O
Presídio Central de Porto Alegre não sofreu nenhuma transformação
substancial que viesse a melhorar as condições de habitabilidade,
segurança, alimentação e de saúde dos presos. Pelo contrário, ainda
houve registro de aumento da massa carcerária, de janeiro para cá,
quando foi denunciado à Comissão de Interamericana de Direitos Humanos
(CIDH), da Organização dos Estados Americanos (OEA).
A avaliação,
em tom pessimista, partiu dos representantes das entidades que formam o
Fórum da Questão Penitenciária do Rio Grande do Sul e consta na réplica à
resposta apresentada pela União ao pedido de informações feito pela
Comissão. O órgão pediu ao Estado brasileiro informações que estava
fazendo para manter a integridade física e assegurar os direitos dos 4,5
mil presos que cumprem pena neste que foi considerado o pior presídio
do Brasil pela CPI do Sistema Carcerário.
As providências adotadas pelo governo foram classificadas como ‘‘evasivas’’.
A
réplica formulada pelo Fórum — documento com 63 páginas, incluindo
laudos técnicos — tomou como base o que foi apurado na visita feita nos
dias 16 e 24 de maio ao Presídio Central. Em ambas as visitas,
signatários e técnicos do Conselho Regional de Medicina do RS (Cremers) e
do Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia do RS
(Ibape/RS) puderam confrontar o relatório enviado em janeiro ao CIDH com
aquele emitido pelo governo, rebatendo item por item.
O diretor
de Assuntos Constitucionais da Associação dos Juízes do RS (Ajuris),
juiz Gilberto Schäffer, identificou a falta de agenda e de um
cronogramas de obras de melhorias por parte do governo brasileiro. ‘‘Em
termos práticos, o governo não sinaliza um comprometimento efetivo para
resolver a situação, mesmo sendo um dos grandes responsáveis pela
questão prisional. Tem de haver planejamento, redimensionamento, da
questão do encarceramento, de modo geral, pois o Brasil tem 550 mil
presos para um sistema estruturado para abrigar 150 mil detentos. Temos
um grave problema, que é reprodutor da própria criminalidade’’,
discorreu.
O próximo lance, agora, está com a Comissão de Direitos
Humanos, que vai analisar as respostas encaminhadas pelo Forum e
decidir se defere ou não as medidas cautelares, em face da situação de
perigo iminente. ‘‘A Comissão vai analisar se as medidas que o Brasil
se propõe para sanar os problemas do Central são suficientes ou
insuficientes. Vamos aguardar. Independente disso, entendemos que o
fato principal, para nós, é a mobilização social que está por trás
disso.’’
O vice-presidente administrativo da Ajuris, juiz Eugênio
Couto Terra, no entanto, vai mais longe: acredita que a Comissão virá a
Porto Alegre constatar in loco a situação, para tentar a conciliação. Terra explicou que a Comissão não tem o poder de sancionar.
‘‘Ela
pode tentar uma fase de mediação, emitir uma Recomendação. E se esta
Recomendação não for acatada, a Comissão pode encaminhar o caso à Corte
Interamericana de Direitos Humanos da OEA. Esta, aí, sim, pode abrir um
processo e impor uma sanção ao Estado brasileiro’’, explicou.
Infraestrutura precária
Em coletiva de imprensa na última sexta-feira (31/5), os especialistas que acompanharam a visita para colher subsídios para embasar a réplica comentaram os principais pontos, em suas respectivas áreas.
Em coletiva de imprensa na última sexta-feira (31/5), os especialistas que acompanharam a visita para colher subsídios para embasar a réplica comentaram os principais pontos, em suas respectivas áreas.
Gilberto Schäffer, por exemplo, admitiu, que houve melhora
na parte de cozinha, mas esta a mudança não surtiu efeito prático. Isso
porque a comida continua sendo produzida em panelões, três ou quatro
horas antes de ser servida, e é deixada na porta das galerias. A partir
deste ponto, ninguém sabe o destino da comida, nem se todos os presos
foram servidos, porque o Estado não entra lá. Resumindo: a estrutura
continua péssima. A superlotação e o autogerenciamento no sistema
carcerário permanecem intocados. As facções criminosas continuam
dominando as galerias.
O vice-presidente Cremers, Fernando Weber
Matos, também não viu mudanças significativas na parte de saúde. Pelo
contrário, com quebra do aparelho de raios-x, a situação tende a piorar,
pois o Estado deixa de detectar tuberculose no momento da admissão dos
presos, por exemplo.
Quando lá esteve, Matos contou 4.445
detentos. Junto com os cerca de 600 servidores que atuam no complexo,
esta pequena cidade em ambiente fechado funciona como uma ‘‘usina’’ de
disseminação de doenças.
Conforme o médico, este ambiente propicia
a disseminação de doenças infecto-contagiosas — como tuberculose, a
AIDS e as hepatites A, B e C, pelo compartilhamento do uso de seringas
contaminadas. Isso sem falar nas verminoses, dermatites e diarreias,
causadas pelo esgoto cloacal, que ainda corre a céu aberto, constatou.
O
especialista alertou que as doenças, transmitidas pelo contato físico e
pela respiração, não ficam restritas à massa carcerária. ‘‘Temos 12 mil
visitas/mês, aproximadamente: mulheres, crianças e parentes de maneira
geral. Então, veja, que o presídio não se resume a 5 mil pessoas
possivelmente doentes. Mas, com certeza, os trabalhadores e visitantes
se constituem em vetores de doenças para a sociedade.’’
Unidade de Saúde
De tudo o que viu, a única boa notícia é que a Prefeitura de
Porto Alegre assumiu a questão do atendimento médico, criando uma
Unidade Básica de Saúde nas dependências do presídio. O problema,
encerrou o especialista, é que a equipe ainda é muito pequena. São uma
equipe e meia, quando deveria ser oito. Afinal, os Ministérios da Saúde e
da Justiça recomendam uma equipe de saúde para cada grupo de 500
detentos.
O parecer técnico do presidente do Conselho Regional de
Engenharia e Arquitetura do RS (Crea), Luiz Alcides Capoani, não diferiu
muito do anterior, feito em 2012. ‘‘Houve apenas mudanças paliativas’’,
anotou.
Marcelo Suarez Saldanha, presidente do Ibape/RS, observou
que foi feita uma ligação na rede de esgotos, mas este continua
circulando a céu aberto no pátio que recebe visitantes, expondo todos a
doenças. ‘‘Na prática, o sistema esgotos do Central entrou em colapso.
Não tem intervenção tópica que surta efeito. O esgoto do pavimento de
cima cai na cela debaixo’’, comprovou.
O sistema de elétrico não
foge à regra. Persiste o risco de incêndio e de eletrocução. Além disso,
Saldanha apontou a falta de um plano de incêndio específico para
presídios, já que neste tipo de estabelecimento não pode haver rota de
fuga, nem saída de emergência. A seu ver, o Central permanece em estado
crítico, pela depauperação progressiva das condições de habitabilidade.
‘‘É irrecuperável para o propósito para o qual foi criado’’, decretou o
técnico.
Clique aqui para ler a resposta do governo brasileiro.
Clique aqui para ler a réplica do Fórum.
Fonte: Conjur