Com uma grade, o presidente da CBF e do COL (Comitê Organizador Local)
da Copa-2014, José Maria Marin, se apropriou de um terreno público em
São Paulo cujo valor se aproxima de R$ 2,8 milhões. Trata-se de uma
praça no Jardim América, na zona sul da capital, que fica ao lado de uma
área pertencente ao cartola. Uma obra executada sob responsabilidade
legal do dirigente derrubou uma árvore no local e construiu uma cerca
baixa, unindo o espaço público à propriedade privada dele.
O terreno de Marin fica na Rua Colômbia, na esquina com a Rua Peru. O
dirigente decidiu reformá-lo e iniciou o trâmite junto aos órgãos
fiscalizadores em 2009. Desde 2011, a área está locada por uma
concessionária da Hyundai, que pertence ao grupo Caoa.
Em resposta ao UOL Esporte, Marin disse que a responsável pela colocação da grade é a Caoa.
A concessionária, por sua vez, afirma que o objetivo da cerca é a
proteção da praça. Como dono, o dirigente é o responsável legal pela
obra. Além disso, a reportagem apurou que o cartola da CBF visitou o
local após a colocação da grade e aprovou a obra.
Encaminhada no seu nome, a proposta de reforma foi aprovada pelos
órgãos fiscalizadores, o Aprov (Departamento de Aprovação de
Edificações), na prefeitura, e o Condephaat (Conselho de Defesa do
Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico), do governo
do Estado. Esses organismos avaliam se os projetos estão de acordo com
as leis de zoneamento para o bairro, bem restritas neste caso. A
reportagem teve acesso aos processos nestes organismos e constatou que o
que foi executado é bem diferente do que o que havia sido autorizado.
Pelo que foi referendado pelas autoridades, fica claro que a praça
pública na esquina da Rua Colômbia com a Rua Peru não estava incluída no
projeto. O espaço estava fora do terreno do cartola da CBF e tinha uma
palmeira, que existia há pelo menos 15 anos, como mostram fotos. O que
foi aprovado é que deveria haver um gradil de 2,5 metros em curva para
limitar a área total do terreno de Marin do espaço não-privado.
O gradil que limitaria a área do cartola não foi colocado. A praça,
pública, foi substituída por um gramado. E a grade, mais baixa do que a
que constava do projeto, avançou metros e metros rumo à rua. Há apenas
uma pequena interrupção nesta cerca. De resto, sobrou espaço só para a
calçada.
Não há nenhuma divisória entre o terreno de Marin e a praça. Pelo
contrário, o gramado termina na exposição de carros, com tudo formando
um conjunto em apenas uma construção. A palmeira caiu durante as obras
realizadas por Marin.
A diferença fica ainda mais nítida quando se observa fotos antigas do
terreno de Marin, que constam dos processos de aprovação. Há um muro bem
mais recuado que a cerca atual no limite do terreno do cartola.
Em outras fotos, já era possível ver que outras concessionárias, que
também alugaram o terreno do cartola anteriormente, avançavam sobre a
área pública para usá-la como estacionamento. Mas não havia uma cerca
para limitar o espaço. Questionada pela reportagem, a prefeitura do São
Paulo confirmou que não havia previsão de grade mais extensa.
"A praça pública, embora representada na planta do projeto aprovado,
não faz parte do terreno objeto da aprovação. Portanto, não consta a
metragem da praça na planta aprovada. O projeto foi aprovado com as
árvores existentes no lote a serem mantidas e com um gradil de 2,5 m de
altura, respeitando as divisas do lote. Não consta "cerca" no projeto
aprovado em volta da área pública", explicou a Secretaria de Habitação.
Embora a prefeitura não tenha informado a metragem da área pública, o UOL Esporte
apurou com fontes envolvidas no projeto que foi feita uma medição no
local que constatou serem cerca de 280 metros quadrados. Todo esse
espaço foi ocupado por Marin. Ouvidos pela reportagem, corretores que
atuam no Jardim América avaliam que o metro quadrado neste lado da Rua
Colômbia vale R$ 10.000. Ou seja, ao cercar o terreno, Marin se
apropriou de um terreno que vale R$ 2,8 milhões.
Pelo menos de fora da concessionária, há outras diferenças entre o que
foi aprovado no projeto e o que se verifica na realidade. O projeto
previa a plantação de 27 árvores de tipos específicos, como nove
palmeiras e três ipês, em volta do prédio principal. Segundo o processo,
seria uma reparação por Marin ter cortado 30 árvores em 1994. Também
era obrigatória a preservação de uma árvore que já existia no terreno
-ela sumiu.
De fora, é possível ver pouco mais de 10 árvores, a maioria delas de
pequeno porte. Sem as árvores, é possível ver melhor a fachada da
concessionária.
A área de permeabilidade do solo também não parece atender o que foi
aprovado, embora não tenha sido possível realizar medição. A área total
do terreno é de 1,6 mil metros quadrados. Deveria haver 491 metros
quadrados de área permeável. A maior área de gramado, ou seja de solo
permeável, é justamente na área pública ocupada por Marin.
Os documentos do Condephaat demonstram que deveria ter havido uma
fiscalização posterior para saber se a obra tinha executado o que fora
previsto. Não há nenhum outro documento que indique que isso tenha sido
feito. Apesar disso, o álvara de funcionamento do local foi emitido pela
prefeitura de São Paulo em julho do ano passado e é válido por dois
anos.
Não é a primeira vez que o cartola comete irregularidades neste
terreno. Documento da prefeitura mostra que o terreno esteve fora das
regras de zoneamento de 1994 a 2005. Durante esse período, o
Condephaat
emitiu cinco pareceres apontando o desrepeito a normas de permeabilidade
do solo e plantação de árvores. Por conta disso, a concessionária que
funcionava no local chegou a ser fechada em blitz de autoridades de
fiscalização.
Marin, então, enfrentou um processo judicial por essas irregularidades.
Ele ganhou a ação em 2006 ao alegar que as construções foram feitas
antes de 1986, quando foram instituídas regras restritivas em relação ao
Jardim América.
Em 2009, Marin decidiu reformar o imóvel e, portanto, adequá-lo às
novas regras do bairro. Inicialmente, houve resistências a aprovação no
Condephat, mas em janeiro de 2010, o órgão estadual aprovou o projeto de
reforma do imóvel de Marin.
Já a prefeitura aprovou os projetos intermediários com assinaturas do
ex-diretor do Aprov, Hussain Aref Saad, que depois foi exonerado por
corrupção no orgão. Em seguida, o DHP (Departamento do Patrimônio
Histórico) deu a autorização final para a execução das reformas.
Seria a conclusão para regularizar um terreno comprado em maio de 1983
por Marin. Ele adquiriu a área por CR$ 100 milhões, dois meses após
deixar de ser governador do Estado de São Paulo, cargo que herdou de
Paulo Maluf durante a ditadura, quando não havia eleição direta. Durante
sua gestão e a de Maluf, o cartola da CBF foi acusado de desvios de
verba pública.
Fonte: UOL
http://copadomundo.uol.com.br/noticias/redacao/2013/06/24/marin-se-apropria-de-terreno-publico-que-vale-r-29-milhoes.htm