A falta de vagas no sistema prisional
para o cumprimento de pena em regime semiaberto está levando os juízes a
autorizar condenados a cumprir a pena em casa. Na prática, a decisão
põe em liberdade o condenado que poderia trabalhar de dia, passando a
noite, no entanto, num estabelecimento penal. Como essa prática pode
colocar em risco a segurança pública, já que a taxa de reincidência
criminal no País é alta, o Ministério Público do Rio Grande do Sul
decidiu recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF). O caso levado à
Suprema Corte do País é o de um ladrão cuja pena foi convertida em
prisão domiciliar, por falta de vagas no semiaberto do sistema prisional
gaúcho.
O réu foi condenado em primeira instância a 5 anos e 8 meses de prisão em regime semiaberto. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
confirmou a sentença, mas determinou que a pena fosse cumprida em
regime domiciliar, caso não houvesse vaga em prisão destinada ao
semiaberto. Alegando que o precedente poderia se aplicar a “situações
como um estuprador que ataca uma família ou um traficante que passa a
traficar em sua casa”, o Ministério Público recorreu aos tribunais
superiores. Alegou ainda que a decisão da Justiça gaúcha dissemina
insegurança jurídica, uma vez que autores de crimes semelhantes poderão
receber tratamentos diferentes “se morarem em cidades que tenham ou não
vagas”. Se o STF confirmar a decisão da Justiça, 23 mil presos poderão
pleitear o cumprimento de pena em casa.
O déficit de vagas é um problema crônico
do nosso sistema prisional. Entre 1994 e 2009, o número de prisões
triplicou, passando de 511 para 1.806. Mas, pelos dados do Sistema de
Informações Penitenciárias, do Ministério da Justiça, as penitenciárias
de segurança máxima, os presídios do regime semiaberto e as demais
unidades penais estaduais e federais do País têm 310 mil vagas e abrigam
548 mil presos – um déficit de 238 mil vagas.
O recurso impetrado pelo Ministério
Público gaúcho é tão importante que o STF já reconheceu a repercussão
geral do caso. Introduzido na legislação processual pela Emenda
Constitucional n.º 45, a repercussão geral é um instrumento jurídico que
permite ao STF selecionar – de acordo com critérios de relevância
social, política ou econômica – os recursos extraordinários que irá
julgar. Uma vez declarada a repercussão geral de uma determinada
matéria, a Corte analisa o mérito da questão e a decisão consequente tem
de ser aplicada por todas as instâncias inferiores do Judiciário, em
casos idênticos.
O colapso do sistema prisional mostra o
irrealismo de alguns aspectos do debate sobre os meios de conter a
expansão da criminalidade no País. Algumas entidades defendem o aumento
no rigor das penas, esquecendo-se de que não faz sentido ampliar o tempo
da condenação quando não há prisões em número suficiente para abrigar
tantos presos. Outras entidades e movimentos sociais defendem a tese da
“humanização da pena” e políticas de “ressocialização dos apenados”,
esquecendo-se, igualmente, de que o sistema prisional carece, além de
condições de vida digna, de escolas profissionalizantes e atendimento
individual.
Diante da gravidade do problema, há um
mês o governo federal anunciou que lançaria até o final de maio um plano
para descongestionar o sistema prisional, estimulando a aplicação de
penas alternativas nos crimes com menor grau de violência. O governo
também quer firmar um pacto com os demais Poderes, para modernizar a
gestão das penitenciárias, capacitar os agentes penitenciários, melhorar
as condições de vida nesses locais e inaugurar 42 mil vagas em
presídios até o segundo semestre de 2014 – período que coincide com a
campanha eleitoral. Mas, até agora, não há informações sobre o montante
de investimentos e a fonte dos recursos. A única informação do governo é
de que usará projetos já em andamento na Câmara e no Senado para
implementar o pacto. O que o governo vai fazer, em outras palavras, é
anunciar como novidade promessas anteriores que até hoje não foram
cumpridas.
Fonte: Estado de São Paulo